Depois de décadas, o filme “O exorcista” (pioneiro do gênero de exaltação às forças do mal e assistido por milhões de pessoas) o assunto continua estar nas telas.
Nos EUA, o assunto rendeu milhões na primeira semana de exibição da nova versão desse trabalho, o faturamento girou em torno de U$ 8,5 milhões. Qual a razão de tamanho sucesso e interesse por esse filme 27 anos depois de sua exibição original? A grande atração seriam os onze minutos de imagens cortadas em sua primeira edição. Um outro motivo seria o forte interesse das pessoas, por mais materialistas que sejam, por temas religiosos e proposições de fé.
O exorcismo, ato de esconjurar ou expelir demônios, é encontrado em várias passagens bíblicas. Na época em que o cristianismo se expandia, existiam alguns judeus que praticavam o exorcismo como profissão. Durante os dois anos em que o apóstolo Paulo esteve na Ásia pregando o evangelho aos judeus e aos gregos, foram notórias as extraordinárias obras que Deus fez através das suas mãos. Os seus lenços e aventais eram levados aos enfermos e as enfermidades fugiam dos doentes; os espíritos malignos saíam.
Admirados por tal proeza, alguns dos exorcistas judeus ambulantes tentavam invocar o nome do Senhor Jesus sobre os que tinham espíritos malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus a quem Paulo prega. E os que faziam isto eram os sete filhos de Ceva, judeu, principal dos sacerdotes. Respondendo, porém, o espírito maligno disse: “Conheço a Jesus, e bem sei quem é Paulo; mas vós quem sois? E, saltando neles o homem que tinha o espírito maligno, e assenhorando-se de todos, pôde mais do que eles; de tal maneira que, nus e feridos, fugiram daquela casa”.
Por causa desse acontecimento veio grande temor sobre todos os habitantes de Éfeso, os feiticeiros queimaram seus livros de magia publicamente, o nome do Senhor Jesus foi engrandecido e a Palavra de Deus cresceu e prevaleceu poderosamente (At 19.13-20).
No tempo de Jesus não havia muitos critérios para que fosse atribuída a uma pessoa possessão demoníaca. João Batista, precursor de Jesus, era tido como possesso: “Porquanto veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio” (Mt 11.18).
Quando Jesus acusou os judeus de procurar matá-lo, “a multidão respondeu, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te?” (Jo 7.20). Ao discursar sobre a parábola do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas, as palavras de Cristo causaram divisão entre os judeus: “E muitos deles diziam: Tem demônio, e está fora de si; por que o ouvis? Diziam outros: Estas palavras não são de endemoninhado. Pode, porventura, um demônio abrir os olhos aos cegos?" (Jo 10. 20-21).
As fórmulas mágicas de Roma
A igreja católica romana reivindica, através da autoridade eclesiástica, ser o canal exclusivo de libertação em casos de possessão demoníaca. No catolicismo, “o exorcismo propriamente dito é reservado aos sacerdotes especialmente designados pelo Bispo diocesano” 3. "Ninguém pode legitimamente fazer exorcismo em possessos a não ser que tenha obtido licença especial e expressa do Ordinário local”4.
Temos na obra “Manual do exorcista” - um pequeno compêndio elaborado pelo Sumo Pontífice León Magno III - orações contra toda espécie de encantamentos; de sortilégios a possessões. “Estas preces foram organizadas para serem entregues ao imperador Carlos Magno, com o intuito de se utilizar no combate às interferências espirituais malignas que pretendessem envolvê-lo”5. Segundo o papa, essas orações fariam que o poder do imperador fosse ilimitado na terra.
Um meio pelo qual se podia valer o exorcista para a realização do ritual era o uso de água benta salpicada nas partes mais afetadas pelo demônio. Se o possuído apresentava o perigo de atacar alguém, era amarrado. O ritual empreendia muitas conjurações, dentre as quais destacamos algumas:
“Deus, a majestade de Cristo, o Espírito Santo, o Sacramento da cruz, a fé dos apóstolos Pedro e Paulo e os demais santos, o sangue dos mártires, a intervenção dos santos e das santas, os mistérios da fé cristã, ordenam-te a obedecer. Saia, violador da lei; saia, sedutor cheio de astúcia e de engano, inimigo da virtude, perseguidor dos inocentes, ceda teu espaço, crudelíssimo, cede-o, imundo; cede-o para Cristo, a quem não pode chegar, pois ele te despojou e te tirou do teu reino, e te encarcerou depois de tê-lo vencido e atirado para as trevas exteriores, onde os mortos esperam a ti e os teus companheiros”6.
A arrogante detenção exclusivista do poder de exorcismo também foi ab-rogada pelos discípulos íntimos de Jesus, assim relatadas nas palavras de João: “Mestre, vimos um que em teu nome expulsava demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque não nos segue. Jesus, porém, disse não lho proibais; porque ninguém há que faça milagre em meu nome e possa logo falar mal de mim. Porque quem não é contra nós, é por nós” (Jo 9.38-40, grifo do autor).
Embora a autoridade conferida ao exorcista por meio do nome de Jesus seja um notável sinal de poder, isso não lhe garante entrada no reino de Deus: “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7.22-23).
A autenticidade da libertação do possesso está fincada na eficácia que há no nome de Jesus, conforme é inferido nos quatro evangelhos. Jesus nunca ensinou a evocar nomes de santas ou santos para este propósito. Paulo e Pedro nunca mencionaram nomes de profetas ou de mártires do Antigo Testamento (Mt 23.37) para obter êxito nos seus ministérios.
Enfatizamos que é, única e exclusivamente, através do nome de Jesus que alguém pode ser verdadeiramente livre da opressão diabólica! (Jo 8.32,36; At 16.18). Tão-somente Ele pode aliviar os oprimidos! (Mt 11.28).
Cristãos endemoninhados?
Existe entre os cristãos sinceros uma preocupação demasiada com a demonologia. Alguns chegam ao absurdo de admitir a possessão de crentes. Esta doutrina tem causado grandes conflitos entre os cristãos que no passado estiveram envolvidos com o espiritismo. Quando velhas criaturas, praticavam a comunicação com os mortos, recebendo entidades espirituais no exercício da mediunidade. Agora, como novas criaturas, temem e acreditam que suas experiências passadas os tornam mais suscetíveis à possessão demoníaca que os outros cristãos.
Para fundamentar esta exótica doutrina, seus defensores alegam a possessão de crentes em alguns casos bíblicos: Judas Iscariotes, Pedro, Ananias e Safira, entre outros.
Quanto a Judas Iscariotes
Apesar de ser um dos doze, não era um cristão autêntico. Em João 6.70 Jesus declara: Não vos escolhi vós os doze? e um de vós é um diabo (grifo do autor). Judas não era como os demais: “Disse-lhe Jesus: Aquele que está lavado não necessita de lavar senão os pés, pois no mais todo está limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos. Porque bem sabia ele quem o havia de trair; por isso disse: Nem todos estais limpos” (Jo 13.10-11).
Arrazoamos ainda: poderia um cristão autêntico roubar? Judas Iscariotes era ladrão: “Ora, ele disse isto, não pelo cuidado que tinha dos pobres, mas porque era ladrão e tinha a bolsa, e tirava o que ali se lançava” (Jo 12.6). Seu final não poderia ter sido mais trágico: “E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar” (Mt 27.5).
Quanto a Pedro
Na cerimônia do lava-pés, Pedro não permitiu que Jesus o lavasse: “Nunca me lavarás os pés. Repicou-lhe Jesus: Se eu não te lavar não tens parte comigo” (Jo 13.8). Após ter entendido que esta atitude era equivalente a rejeitar Jesus e seus benefícios, o impetuoso apóstolo pediu que lhe fossem lavados não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça (Jo 13.9). Como vimos, havia um que estava impuro, e este não era Pedro.
Como explicar Marcos 8.33? “Mas ele, virando-se, e olhando para os seus discípulos, repreendeu a Pedro, dizendo: Retira-te de diante de mim, Satanás; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas as que são do homem” (grifo do autor).
Em seu intenso cuidado humano, Pedro serviu de instrumento satânico ao pronunciar palavras que se opunham aos planos de Deus para a salvação da humanidade. Não há nenhuma evidência de possessão, mas, sim, uma influência diabólica a qual todos os que não vigiam estão expostos (Mc 14.38). Alguns momentos antes, na ocasião em que Jesus interrogou os discípulos acerca da sua identidade, Pedro havia sido elogiado: ...Quem dizem os homens ser o filho do homem?... E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo... Bem aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus (Mt 16.13-17)
Depois de algum tempo, em virtude de suas experiências e tendo adquirido maior maturidade espiritual, o apóstolo enfatizou a importância da vigilância e explicou a posição do diabo em relação à vida do cristão: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (1Pe 5.8, grifo do autor).
No final de sua vida, Pedro autenticou sua fé como mártir, morrendo crucificado de cabeça para baixo por não se achar digno de morrer como seu mestre 7.
Quanto a Ananias e Safira
“Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás seu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade?” (At 5.3, grifo do autor).
Ananias e sua esposa receberam ataques de Satanás – a Bíblia diz: “Não deis lugar ao diabo” (Ef 4.27) – e, em conseqüência, revelaram reações pecaminosas. Jesus disse: “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Mt 6.21). A questão em pauta é tão-somente o fato de tentarem mentir ao Espírito Santo e a falta de fé para fazer como os demais discípulos que depositavam aos pés dos apóstolos todo o valor da herdade que possuíam.
Uma impossibilidade à luz da Bíblia
Infelizmente, em alguns cultos “evangélicos” dá-se grande enfoque à atuação dos demônios na vida das pessoas, deixando em segundo plano o louvor e a adoração ao único que é digno de recebê-los (Ap 4.11). Examinando à Bíblia, entendemos que a libertação de pessoas endemoninhadas e a manifestação de espíritos malignos na presença de cristãos era um fator comum decorrente da verdade por Jesus ensinada, pois não pode haver comunhão entre a luz e as trevas. Não se determinava um culto periódico específico para tal prática. Surge a questão: Como deveriam proceder os irmãos da igreja primitiva nas suas reuniões? O apóstolo Paulo responde: “Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação” (1 Co 14.26, grifo do autor). A Palavra de Deus é cristocêntrica. Cristo é o centro das nossas vidas. Nos cultos, Cristo deve ser o centro das atenções!
Não há quaisquer possibilidades de um crente genuíno ser possuído por demônios. O verdadeiro cristão, sal da terra e luz do mundo (Mt 5.13-14), é nascido de Deus (Jo 3.3), e a Ele se sujeita resistindo ao diabo (Tg 4.4) e o maligno não lhe toca (1 Jo 5.18). Não discordamos que crentes aparentes, disfarçados, fiquem possessos. E, diante disso, é aconselhável que alguém com o dom específico de discernir espíritos prove se tal pessoa está realmente endemoninhada.
Essa classe de indivíduos foi comparada por Jesus com o joio, erva daninha inútil que não serve para qualquer proveito. Tais pessoas precisam urgentemente da regeneração do Espírito Santo; do contrário, tendo crescido o joio, deve ser separado do trigo e queimado (Mt 13.24-30). Existe uma gritante distinção entre a aparência e a essência. O Deus que servimos olha para dentro (coração), e não para fora (1 Sm 16.7).
Ratificamos a impossibilidade de o crente ser possuído por demônios com as seguintes considerações:
Somos templo do Espírito Santo e este, por sua vez, não é um visitante esporádico, antes, é um morador permanente que não se ausenta de sua morada (1 Co 6.19,20);
Esse glorioso habitante é zeloso e sente ciúmes de seu santuário (Tg 4.5);
Somos selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor (garantia) da nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para o louvor da sua glória (Ef 1.13-14);
Somos um povo especial, propriedade exclusiva de Deus (Tt 2.14,1 Pe 2.9) resgatados por um preço caríssimo (Sl 49.8);
Somos auxiliados em nossas fraquezas pela incomparável intercessão do Espírito Santo (Rm 8.26);
Somos mais que vencedores por aquele que nos amou e estamos certos de que absolutamente nada poderá nos separar desse amor (Rm 8.37-39);
O Senhor guarda a nossa alma contra todo mal (Sl 121.5-7);
Jesus é o valente que venceu e expulsou Satanás das nossas vidas, tirando-lhe toda a sua armadura, repartindo os seus despojos (Lc 11.21-22);Se formos infiéis, Ele permanece fiel, pois não pode negar-se a si próprio (2 Tm 2.13).
A soberania de Jesus sobre os demônios
A possessão demoníaca é uma enfermidade espiritual que pode, às vezes, exteriorizar uma doença física. A Bíblia diz que o Cordeiro de Deus “verdadeiramente tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si” (Is 53.4).
O fariseu Nicodemos reconheceu que Jesus era mestre vindo de Deus por meio de seus singulares prodígios e grande parte desses prodígios estavam relacionados a curas de enfermidades. Em muitos casos, essas enfermidades eram frutos de possessões demoníacas. “E, tendo chegado a tarde, quando já estava se pondo o sol, trouxeram-lhe todos os que se achavam enfermos e os endemoninhados. E curou muitos que se achavam enfermos de diversas enfermidades e expulsou muitos demônios, porém não deixava falar os demônios, porque o conheciam” (Mc 1.34, grifo do autor).
Acontecimentos como esses foram comuns em seu ministério.
Certa vez, Jesus curou um mudo e endemoninhado: “E expulsou o demônio, falou o mudo e a multidão se maravilhou dizendo: Nunca tal se viu em Israel” (Mt 9.33). Houve também algumas mulheres que foram libertas pelo seu poder: “e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios” (Mt 8.3; Mc 16.9).
Lembramos também do relato histórico de um homem, gadareno, que era possuído por demônios. Não andava vestido, habitava nos sepulcros, era muitas vezes aprisionado com grilhões e cadeias e as prisões eram por ele quebradas; temível, era considerado um monstro na sociedade da época. Seríamos capazes de avaliar o rebuliço e a insegurança que causava a todos os moradores da cidade?
O texto diz que repreendida por Jesus, a legião se prostrou diante dele: “E, quando viu a Jesus, prostrou-se diante dele, exclamando, e dizendo com alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Peço-te que não me atormentes” (Lc 8.28).
Os de demônios chegaram a suplicar-lhe que não os mandasse para um abismo próximo, sendo a eles concedido que entrassem numa vara de porcos que naquele momento pastava no local.
O resultado foi glorioso: “Os habitantes da cidade acharam o homem de quem haviam saído os demônios, vestido, e em juízo, assentado aos pés de Jesus; e temeram” (Lc 8.35, grifo do autor).
Jesus sempre demonstrou sua soberania diante dos demônios, porém houve um caso em que seus discípulos não conseguiram expelir uma legião de demônios devido ao maior grau de resistência dessa legião e a falta de fé revelada pelos discípulos: “e trouxe-o (lunático) os teus discípulos e não puderam curá-lo. Então repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele; e desde aquela hora o menino sarou. Jesus explicou: Esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum” (Mt 17. 16,18, 21).
Absolutamente, não é de qualquer maneira que podemos enfrentar os inimigos das nossas almas. Veja Efésios 6.10-18.
O aparente fracasso dos discípulos causou-lhes desapontamento. Contudo, noutrapassagem podemos contemplá-los cheio de alegria pelo fato de terem os demônios sujeitado-se à autoridade de Jesus a eles conferida (Lc 10.17). Nada era fruto da capacidade humana: “Eis que vos dou poder para pisar serpentes e escorpiões, e toda força do inimigo, e nada vos fará dano algum” (Lc 10.19, grifo do autor).
O mundo jaz no maligno, o deus deste século (2 Co 4.4). Ele tem sob seus domínios os reinos deste mundo (Lc 4.4). O confronto de poderes, luz versus trevas, é inevitável. A Bíblia declara que a vitória é certa (1 Jo 4.4).
Estejamos sempre prontos para este combate como bons soldados de Cristo, lembrando que o maior motivo da nossa alegria não é a sujeição dos demônios, mas, antes, por estar o nosso nome escrito no livro dos céus (Lc 10.20). Devemos sempre tributar adoração àquele que recebeu todo o poder no céu e na terra (Mt 28.18) e se revelou para desfazer as obras do diabo (1 Jo 3.8).
Notas:
3 Pergunte e Responderemos, Ano XL. Maio. 1999. 444, p. 194.
4 Pergunte e Responderemos, Ano XL. Maio. 1999. 444, p. 197.
5 Manual do Exorcista (Orações do Papa León III). Papa León Magno. Madras 1998 (prefácio).
6 Manual do Exorcista (Orações do Papa León III). Papa León Magno. Madras 1998, p. 78.
7 Ele andou entre nós. Josh Macdowell & Bill Wilson. Candeia. 1988, p. 82